Mineira de Juiz de Fora, a publicitária Anelise Freitas lançou no fim do ano passado o livro de poemas Vaca contemplativa em terreno baldio. Colaboradora de nossa primeira edição, Anelise nos concedeu essa entrevista por e-mail, na qual fala sobre seu livro, seu processo criativo, suas influências e seus possíveis planos para o futuro. Confira:
Quando surgiu a ideia do livro?
Eu já me proponho ao exercício da escrita desde 2002, quando descobri o poeta Augusto dos Anjos. Muitas coisas eu só sabia dizer através de palavras e toda a minha escrita era semelhante a do poeta paraibano. A maioria dos escritos daquela época se perderam e serviram mais como um primeiro degrau da escada. Mas desde aquela época eu já pensava em ver as minhas coisas impressas, em um conjunto.
Conforme o tempo passou a minha escrita evoluiu, assim como a minha leitura, a minha vida… Conheci muita gente bacana! Houve uma época em que a escrita era menos esporádica e foi mais ou menos na mesma época em que conheci o poeta Tiago Rattes (em meados do ano de 2005) e começamos a conversar bastante sobre poesia. Entretanto posso dizer que o livro começou a tomar corpo quando comecei a freqüentar o Eco, pois ali encontrei gente que estava disposta a conversar, expor, se entrosar… tudo em prol de um bem comum.
A primeira versão do livro tinha mais de cem páginas e com a ajuda de André Capilé e do Luiz Fernando Priamo (aka Mirabel) eu fui moldando. Logo depois a Laura Assis, editora do livro, entrou na história. Primeiramente era só colaboração, pois eu estava pensando em lançar o livro de maneira independente, mas depois a história mudou e chegou ao livro. A Laura sempre foi muito prestativa e eu tenho que registrar o meu agradecimento, sempre!
De certa forma eu acho que o livro é uma espécie de portfólio do poeta. Acho que o livro deve fechar um ciclo e foi exatamente isso que aconteceu. Eu precisava parir aquilo pra poder engravidar de novo!
Por que Vaca contemplativa em terreno baldio?
Eu publicava em um blog chamado Ex-Cluída. Mas era muito difícil explicar como era o link e também era pouco atrativo. Principalmente porque o nome foi um espirro, pois eu queria fazer um blog, mas não tinha um nome. Eu fui fazer um curso, que a priori, não me animava nem motivava. Eu passava as aulas na faculdade de comunicação lendo, escrevendo e olhando pela janela. Um dia uma amiga me disse que eu parecia uma vaca contemplativa e eu atinei para uma coisa: as vacas passam muito tempo pastando. Realmente parece que elas ficam ali, contemplando em um terreno baldio. Virou o nome do blog! Mas não seria o nome do livro de jeito nenhum, pois eu havia pensado em In Publicáveis. Entretanto na mesma época que comecei a moldar o livro a poeta Ana Beatriz (Ana B.), que conheci no CEP 20000, estava se preparando pra lançar um livro chamado Impublicáveis. Daí o nome do blog virou o nome do livro, mas nem tudo que está no blog está no livro. Eu adorei!
Desde quando esses poemas vêm sendo produzidos?
Como eu disse, já escrevo há pelos menos 10 anos. Entretanto muita coisa se perdeu. O poema mais antigo – dos que estão no livro – é o Primícias. Lembro de que aos 18 anos eu o mostrei ao Tiago Rattes, que ficou muito animado. Mesmo assim, na versão final, ele é bem diferente do original. A maioria surgiu nos últimos 4 anos.
Os poemas do livros, de uma certa maneira, se complementam e dialogam entre si – ou seja, não destoam num mesmo contexto. Você diria que o livro tem uma estética própria?
Então, acho que ficou bem amarradinho porque peguei textos dos últimos anos de composição. Depois que conheci meu marido e tive meu filho a minha escrita mudou bastante. E ter conhecido o pessoal do Eco – organização e freqüentadores – me fez muito bem. Posso dizer que sem passar por essa experiência meu livro seria completamente distinto e mesmo sendo impossível prever, creio eu, seria um livro menos rico que o Vaca.
Na realidade quando eu penso sobre o livro eu vejo que tem muita coisa que casa e tem muita coisa que destoa e, sinceramente, não sei se ele tem uma estética própria.
Fazer poesia erótica é confortável pra você?
Sim, porque é natural. Na realidade o que me deixa desconfortável é a situação que se criou sobre os poemas eróticos. Eu não pretendo ficar marcada por eles, não é meu objetivo. Eles estão lá porque fizeram (e fazem) parte de um momento poético que vivi e brotou no papel. Não estão lá só para chamar a atenção, mas sim porque existe algo além de um palavrão, de um gozar… não é pra ser escandaloso.
O poeta Anderson Pires e a Laura Assis são dois dos que conseguem perceber a minha escrita muito bem. Quando conversamos, eles sabem, claramente, que por trás de um cu ou de uma boceta existe um comprometimento e que não é superficialidade. Pra ser precisa: 20% do livro é isso, mas tem outros 80% que eu gostaria que as pessoas conhecessem. Até porque não quero que criem expectativas de um próximo livro com essa temática. Quero ser livre nesse sentido.
Em uma primeira análise, parece que o livro se divide em duas partes: uma primeira mais “leve”, que fala, por exemplo, sobre a concepção da poesia (como em “Filho de palavras” e “De como aprendi a poetar”) e a segunda parte, iniciando com “Primícias”, onde já há uma alusão mais direta ao ato sexual. Foi proposital?
Meu livro tinha 4 divisões: a primeira era À, com poemas dedicados; Pro Haikai o Parta, que eram aqueles poemas menores que entraram no livro (e gerou muita polêmica, pois o Capilé disse que não eram haikais e eu dizia que sabia disso e por isso havia dado aquele nome); Erótica, com os poemas eróticos, obviamente e a Segunda Metade, que eram os poemas que não entravam em nenhuma outra divisão anterior. Mas começou a ficar complicado e achamos melhor tirar.
Mas observando o livro parece que a subdivisão continuou de certa forma. Como eu disse, os poemas são dos últimos 4 anos – época em que conheci meu marido e tive um filho. Logo tem muito disso no livro.
Porém, o poema de abertura do livro é “Pornô” que, praticamente, é um soco no estômago. Por que a escolha desde poema pra iniciar o livro?
Eu quis começar com o Pornô pra quebrar o clima de primeira. Na realidade a ordem dos poemas é uma ordem que eu gosto de ler, simplesmente! Voltando na pergunta anterior: eu não queria nem dividir por “estilo” nem misturar tudo, então coloquei numa ordem que gostasse. E tem também o trabalho do diagramador, ou seja, muita coisa tem que se adequar ao formato do livro, a arte, entre outras coisas.
Bukowski aparece em dois poemas do livro: “Hollywood”, “a experiência beat” e “All Cool”, uma paródia do nascimento de Afrodite. Qual a relação da sua poesia com o escritor?
O velho safado é um antigo amigo. Já leio a obra dele há pelo menos oito anos. Não consigo me recordar como tomei conhecimento, mas 3:30 A.M. Convrsation foi um dos primeiros poemas dele que eu li. Posteriormente tive contato com a prosa, mas eu sempre desconfiei dele, se aquilo não era forçado. Mas já era tarde demais, ele já havia me marcado. O que me encanta é a despretensão dele.
“Hollywood” quase não entrou no livro. Em que momento você percebeu que ele estava “pronto” para ocupar uma página?
Eu não tive um estudo acadêmico na área de literatura, então meu conhecimento é empírico. Nas conversas com amigos da área eu percebo as coisas, pesco nomes e uma infinidade de coisas pra pesquisar posteriormente. Eu, obviamente, já conhecia os beats, mas só depois de algumas conversas com amigos resolvi ir pesquisar um pouco mais e comecei a ler. E fiz uma série de composições, mas achei que era uma cópia dos beats. A Laura Assis me convenceu de que aquilo era uma composição minha sobre a obra dos beats e não uma cópia. Depois fiquei feliz, pois o poema que entraria não era tão bom.
Você comentou que fechou um ciclo com o Vaca… Que ciclo foi esse e em qual você se encontra agora?
O Vaca era um livro que precisava existir, principalmente pra que não ficasse com muito texto na gaveta e fosse acumulando. Mas ele só saiu porque achei que tinha algo nele, não só pra abrir espaço em casa. Acho comum a angústia do primeiro livro, de que ele saia perfeito – mas nada é perfeito. Depois de reunir os textos que achava necessário eu fui buscar o nome. Quando estava tudo casado fomos pra parte burocrática e da arte do livro, mas nesse ponto o ciclo já havia se concretizado. Quando o livro ficou pronto na minha cabeça eu já havia me desgarrado daquilo tudo! Amo cada poema que está nele, mas atualmente eu estou livre para qualquer ideia que venha a minha cabeça, mas uma coisa eu já percebi na minha escrita: sou muito intimista. Quero sempre poder escrever – pois é isso que me faz bem, que me aconchega – mas escrever livremente, sem amarras estilísticas ou seja lá o nome que se dê a isso…
Você também escreve prosa? (Se sim, por que escolheu a poesia?)
Olha, escrevo, de certa forma, bastante prosa-poética. Contos, romances… não posso dizer que escrevo. Não é questão de gosto, é porque a poesia brota pra mim, simplesmente. Atrevo-me nos contos, mas escrevi apenas uns cinco… Raramente gosto do resultado. Não tenho boas ideias para contos. Não os escrevo em demasia porque me maravilho com aqueles que dominam a arte e não quero estragar uma coisa que acho tão bela. Mas se você me perguntar se quero escrever poesia pro resto da vida eu lhe responderei não, não quero escrever somente poesia. Embora minha produção seja basicamente de poesia sinto aflorar em mim o bichinho da prosa, e pretendo exercitá-lo. Mas demorei alguns anos pra mostrar meus poemas, e receio que vá acontecer o mesmo com a minha prosa.
Como é ser uma escritora publicada?
Ah, é bom. Um cara do Ceará comprou o livro. Imagina quantas pessoas podem ler isso através dele? Produzir pra guardar não faz muito sentido! Escrever só pra desopilar? Diário, eu acho. Não sou tão pretensiosa a achar que meus versos vão mudar o mundo, mas um cara no Ceará comprou e gostou. Muita gente lê e curte. De alguma forma aquilo toca alguém. Quantos autores me tocaram, me sensibilizaram, fizeram algo de mim. Se vai ser bom ou não… tem que jogar na roda e pagar pra ver. Mas eu não tenho medo. Disso não!
Você acha que é possível viver de literatura?
Sim, claro! Chacal é a prova viva disso. Mas é difícil. Sou realista, não penso em viver de literatura no sentido financeiro – até gostaria, mas… – e sim no sentido de viver com, para a literatura. Poder dedicar meu tempo e trabalhar com literatura é o que realmente quero.
Como funciona seu processo de criação? Você escreve todo dia? Você está escrevendo alguma coisa agora?
Olha, desde que comecei a escrever o único longo período que não consegui criar nada foi durante a gravidez. Mas era coisa bem resolvida pra mim, pois eu acreditava que a grande poesia estava acontecendo dentro de mim e eu foquei demais na gravidez e no meu filho, Augusto. Depois do lançamento eu parei um pouco, até porque estávamos divulgado o livro e eu não estava pensando em outra obra. Daí comecei a escrever compulsivamente e percebi que aquilo estava voltado pro tempo que passei na minha cidade natal (voltei para Lima Duarte no ano de 2011 e ainda não sei se foi um bom período, pois lancei livro, entrei pro ECO, mas lá foi meio tenso e não cabe tudo aqui) e hoje, tudo que tenho e sou, é um pouco pela minha volta. Mas, sinceramente, fico feliz de ter voltado pra Juiz de Fora. Então, resumindo (?) eu estou escrevendo pra um novo projeto – mas não é pra agora, nem vou mostrá-lo ainda.
Quanto ao meu processo: não escrevo diariamente, apenas quando brota. Nem sempre vem pronto, e é preciso moldar; outras vêm tudo mastigado. Na realidade eu escrevo quando tenho vontade, mas não forço. A pressão estraga tudo! Mas não preciso formular na cabeça o poema pronto… as vezes basta a ideia. Eu acho muito complicado falar sobre o processo poético, porque ele depende de um monte de variáveis.
Mesmo ainda não tendo nem um ano da publicação de seu primeiro livro, você já pode adiantar se há a possibilidade de um próximo?
Possibilidade sempre existe, claro. Como eu disse, já estou trabalhando em algo novo, mas no meio do caminho posso descobrir que não é isso e findar. Prefiro não adiantar nada!
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